2010-12-14

Wabi Sabi

Yasunari Kawabata é um dos meus escritores preferidos. Kyoto é de uma beleza extraordinária. É por muitos considerada a obra prima do escritor, a grande responsável pelo seu prémio Nobel em 1968. Kawabata nasceu em Osaka em 1899 e suicidou-se via harakiri em 1972.



Recentemente redescobri, na primeira página do livro, um texto que é na minha opinião uma excelente ilustração do sentimento wabi-sabi. Tenho pena de não poder ler o original em japonês, há sempre algo perdido na tradução. Assim começa a obra:

Chieko descobriu as violetas que floresciam no velho tronco do carvalho.
«Floriram também este ano.» Com estas palavras foi ao encontro da doce Primavera.
Em relação ao pequeno jardim da cidade, aquele carvalho era bastante grande, mais robusto ainda que as ancas de Chieko. A sua casca, velha, rugosa, salpicada de musgo, não se podia porém comparar ao corpo jovem e fresco dela.
Arqueada para a direita até ao nível das ancas de Chieko, a árvore começava a dobrar-se precisamente à altura da cabeça da rapariga: era a partir daqui que nasciam os densos ramos, que iam abranger quase todo o jardim. Os mais compridos pendiam um pouco. Logo abaixo do ponto em que se curvava amplamente sobre a direita entreviam-se duas pequenas cavidades: destas despontavam, distantes uma da outra, duas violetas. As duas plantas floriam todas as Primaveras. Chieko recordava-se de as ter visto sempre ali, naquela árvore.
Entre a violeta de cima e a de baixo havia uma distância de trinta centímetros. Agora, em plena florescência, Chieko olhava-as. A de cima encontrar-se-ia alguma vez com a de baixo? Conhecer-se-iam? Mas, por outro lado, que quereria dizer encontrar-se ou conhecer-se para as violetas?
Todas as Primaveras nasciam três, cinco flores, não mais. Mas, de qualquer modo, na árvore, naquelas pequenas cavidades, todas as Primaveras brotavam os botões e depois as flores. Chieko contemplava-as, umas vezes da varanda, outras quando se encontrava junto da árvore; sentia-se impressionada pela vida das pequenas plantas; de vez em quando era invadida pela solidão em que elas cresciam.
«Nascer num sítio daqueles e continuar sempre ali a viver...» Os clientes que se demoravam na loja exprimiam a sua admiração pelo carvalho, contudo quase nenhum deles dava pelas violetas. Velho, nodoso, coberto até acima de musgo, e por isso tanto mais digno e atraente, o carvalho, comparando-as com ele, as violetas que hospedava eram a imagem da humildade.

4 comentários:

Gustavo Pessoa Duarte disse...

Olá Pedro,

Esse sentimento também está muito presente no seu romance de "Chá e amor". Começo a pensar que será talvez uma constante na sua obra. Aliás, é interessante perceber que a estética literária utilizada neste livro (Chá e amor) promove um ritmo de leitura que nos obriga a ver os detalhes da história doutra forma que a Ocidental, e Kawabata, conseguiu o bonito feito de nos pôr a sentir... muito.

Continuação,

Gustavo

Pedro G C Almeida disse...

Olá Gustavo,

Obrigado pelo comentário! :)

Não conheço todas as obras de Kawabata (conheço a maioria das que foram traduzidas no ocidente), mas acho que tens razão quando dizes que este sentimento será constante em todos os seus trabalhos. No bonsai, há árvores que despertam em mim este mesmo sentimento (por acaso todas são de Taisho-en, mas isso deve-se ao pouco contacto que tenho com outras peças).

Um abraço,
Pedro

Cátia Oliveira disse...

a ler Terra de Neve. Confesso que sinto muita nostalgia e, sobretudo, silêncio ao ler este livro.
Parabéns pelo espaço Pedro.

Cátia

Pedro G C Almeida disse...

Olá Cátia :),

Obrigado pela visita e pelo comentário.

Pedro